terça-feira, 13 de dezembro de 2016

meu grande amor maduro


Estou morrendo para o passado
E nem anseio pelo o futuro
Minha coroa tem brilho dourado
Provo o néctar do amor maduro

Ludwig foi meu maior amor, meu amor maduro. maduro na idade, ele já no auge de seus 18 anos (88 anos, convertendo para o tempo humano), e na forma. aquele amor absoluto, puro, de doação, sem pedir nada em troca. nossa linguagem não falada, nossa comunicação por toque, sentimentos, pela forma como eu o pegava no colo, como o observava, para entender seu humor do momento, se estava feliz, se estava precisando de alguma coisa. coisa que ele fazia comigo também. como naquelas horas - um pouco mais raras nesses últimos tempos - em que ele me procurava, deitava a meu lado, ronronando e, casualmente, descansava sua pata em cima do meu braço. como que me consolando, reafirmando que não importava o que estivesse acontecendo, que ele continuava a meu lado. 

embora tenha acontecido tudo muito rápido (em 10 dias), as coisas tiveram uma fluência. primeiro porque sinto que eu já estava preparada. além dos bigodes brancos, ele já se locomovia diferente, desde acho que o começo do ano. já estava sentindo que algo havia mudado. daí, 10 dias atrás, ele passou mal, não queria comer, passava o dia deitado. uma amiga querida fez reiki nele, e ele melhorou, voltou a comer, a passear.

quatro dias depois, ele acordou tranquilo, me procurou. servi sua comida e vi-o parado ao lado do fogão, com pouco equilíbrio. às vezes, ele fazia isso de parar, do nada, por alguns segundos/minutos. como se estivesse pensando no que fazer. coloquei-o no sofá. ele esticou o pescoço, jogando a cabeça para trás, e, dessa maneira, passou o dia. vi-o assim na hora do almoço, quando voltei do trabalho e quando voltei da caminhada, à noite. ao dar-me conta de que ele havia passado o dia todo assim, entrei em desespero. levei-o ao vet, que aplicou um sedativo. 

no dia seguinte, tivemos a consulta com a especialista em gatos. mais tarde, veio a tomografia e a notícia do tumor no cérebro. cheguei em casa e comecei a despedir-me. já havia prometido a ele que não o submeteria a tratamentos invasivos nessa fase da vida, que faria de tudo para poupar seu sofrimento, após ter vivido uma vida tão linda e confortável. 

as amigas deram a força de que precisava. mesmo assim, fui dormir com o coração pequeno.

de manhã, soube que ele se levantou sozinho do sofá, deu uma volta pela sala, miou. a amiga acha que ele deve ter tentado ir procurar-me no quarto, cuja porta estava fechada (porque o outro gato não conseguia dormir e, como é típico, pretendia ter companhia a noite toda a qualquer custo..). 

fui fazer o café e minha xícara de gatinho caiu no chão e quebrou. aquela que eu havia ganhado de aniversário da amiga escorpiana.

às 17h, chegamos para a consulta com a oncologista, que confirmou a gravidade do quadro dele. ela disse que ele estava em ataraxia, estágio anterior ao coma. a amiga segurou minha mão. telefonei para a outra. mas, não havia dúvidas. e, assim, tomei a decisão mais difícil que já tive de tomar, pela eutanásia.

foi tudo muito rápido. mais uma vez, agradeci a ele por ter caminhado comigo durante essas quase duas décadas. pedi perdão pelas vezes em que o machuquei. e, ele foi-se já com a anestesia. em alguns segundos. achei ter sentido seu ronronado lindo quando tudo terminou.

passei o resto do dia com essa pessoa muito querida, que me levou para uma caminhada, para um banho de alfazema, que me abraçou a noite toda, que me ouviu. mesmo assim, quase não dormi.

estava ainda em dúvida se ia ao ritual de domingo. no final, fiquei feliz por ter decidido que sim, pois, lá, descobri que aquele era o último do ano, além de a egrégora ser de fechamento, algo que cabia perfeitamente em meu momento atual.

foi um ritual diferente, você não podia ficar deitado. a primeira parte foi de concentração (ficamos sentados), a segunda de bailado (dançar e cantar os hinos) e a última de fogueira e cachimbo. chorei o trabalho inteiro. tive a intuição de que o Ludwig havia sofrido muito nos últimos dias, que sentia muita dor quando era movido (como o foi para chegar às 3 consultas e ao exame). também, que era a isso a que a taróloga se referia sobre um processo meu que estaria prestes a terminar.

ontem, celebrei a cerimônia de cremação. levei as graminhas que ele adorava e incenso. cantamos Recado à mãe divina abraçadas. depois, levei as cinzas para o jardim do bloco D da SQS 212, onde ele passou parte significativa de sua juventude e o que imagino que tenham sido seus melhores e mais longos passeios.

o resto do dia foi de paz. cruzei com alguns gatos pretos durante uma caminhada. conectei-me com um de pelo mais longo, que, de alguma forma, remeteu-me ao Ludwig.

e, assim, fechei esse ciclo. ainda preciso processar a ausência dele no dia-a-dia. como na hora de dormir - costumava deitá-lo no travesseiro a meu lado e dormíamos sempre juntos. de manhã, acordava e ia procurá-lo no sofá. sentava-me com ele no colo, conversávamos, perguntava como ele estava se sentindo, como havia sido sua noite, enchia-o de beijos. daí, levava-o para tomar café da manhã. depois, limpava seus olhos com soro e pingava as gotinhas do abençoado remédio homeopático para os rins, os quais nunca mais deram problema. por último, enchia um tupperware pequenininho com água, que era o melhor presente na opinião dele. hehe ele tinha uma vasilha bem maior com água limpa, mas gostava mesmo era dessa água, que bebia até a última gota, mesmo que passasse o dia parada e já estivesse quente.

hoje, quando acordei, sentei-me no sofá e abracei a mantinha dele, relembrando os últimos dias, quando o levei para o vet enrolado nela. talvez precise fazer isso pelos próximos dias, até gastar. até gastar a dor e conseguir lembrar-me dele lindo, querido, amoroso, iluminado. da forma como ele sempre foi.


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